segunda-feira, 12 de julho de 2010

UM DIA PARA ESQUECER

Essa história ainda é do meu amigo da canjica. O que aconteceu com ele foi surreal. Ele trabalhava numa consultoria contábil e trabalhava de terno todos os dias. Aliás, ele ficava muito bem de terno, sempre muito elegante e cheio de garbo. Foi até a estação de trem de Deodoro e pegoou o trem "Parador". Sentou-se perto a porta, de forma que pudesse encostar sua cabeça na parede do trem e dormir. O trem partiu em meio aos vendedores de jornais e ao baleiro, que gritava: "Psiu! Psiu! Quer chupar? Aqui tem chibiu."

A primeira estação veio, mas o sono não. Sentiu uma sensação estranha de mau-estar, náuseas e tonteira. Achou que o melhor a fazer era descer na próxima estação e ir para casa ou ao médico para saber o que estava acontecendo. Recentemente ele havia perdido um colega devido há um enfarto fulminante e isso pertubava sua cabeça. Realmente descer na próxima estação foi a melhor decisão que ele havia tomada diante dos fatos que ocorreriam a seguir.

Nos primeiros passos na estação de Bento Ribeiro e suava frio, mas a tonteira já diminuia, náusea aumentava. Estranhamente ouviu um ruído que parecia sair de sua barriga. Suou mais frio que antes, principalmente depois que lembrou do que foi seu dia anterior e do cardápio no churrasco de seu amigo. Olhou para escadaria e viu que a solução seria contorcer seu corpo de forma que todos os poros ficassem fechados, impedindo inclusive sua respiração. Antes do primeiro movimento ele descobriu que era tarde demais e que algo estranho e desagradável acontecia debaixo de seus olhos. Aliás, um tronco abaixo, começando na linha de cintura. Seu andar não era mais o mesmo. Era escorregadio e molhado por um riacho que percorria suas pernas. Agora ele tinha que decidir o que fazer. Como voltar pra casa? E como subir aqueles degraus com os movimentos mais sutis possíveis? Meus Deus. Ao chegar ao topo, ele olhos para trás para saber se deixou rastros. Os piores pensamentos passavam pela sua cabeça e um banheiro poderiam esvaziar sua alma e limpar seu corpo. Viu o primeiro bar e perguntou onde era o banheiro. O que encontrou foi um mictório e um ralo. Não pensou duas vezes: tirou a tampa do ralo.

Há momentos da vida que achamos que nada pode piorar. Já estamos em situação tão delicada que olhamos para frente e buscamos uma razão para seguir em frente. Esse meu amigo fz isso. Olhou a sua volta e...cadê o papel? Viu a solução em sua pasta. Delicadamente, para não sujar-la, olhou adentro procurando um rascunho ou um pedaço de qualquer coisa sem importância, mas encontrou apenas documento. Encontrou um monte deles dentro de um saco plástico e esta seria a solução. Há coisas que não precisamos de ciência para explicar, mas as experíências de nosso dia a dia, tendem a ajudar. O papel, por pior que seja sua qualidade, ele limpa, pois absorve a sujeira. O plástico não. Ele espalha. Meu amigo já sabia disso, mas o que fazer diante desta situação?

Ao sair do banheiro pediu ao dono uma garrafa plástica de água, pois não encontrou naquele mictório. O dono deu-lhe uma garrafa de pet que meu amigo devolveu vazia. Entreolhou a garrafa e viu que estava ligeiramente borrada. O jeito era seguir em frente e não olhar para trás, ainda mais porque iria encontrar a cara feia do dono a visitar o banheiro que ele acabava de utilizar.

Veio o ônibus para voltar para casa. Como ele fazia o caminho inverso, estava vazio e cheio de lugares. Por motivos óbvios ele ficou de pé, próximo a trocadora que conversava com alguém. Em certo momento ela comentou com essa pessoa sobre um cheiro horrível que sentia. Olhou para meu amigo, que devolveu o olhar de forma até triste. Ela olhou para as árvores e comentou: "são estas árvores daqui de Marechal Hermes. Elas fedem muito. Deve ser essas frutinha". Eu mesmo estudei em Marechal Hermes por três anos. Na primavera aquelas árvores exalavam um perfume maravilhoso.

Ao chegar em casa, um alívio. Ele entrou no banheiro e tirou toda a roupa. Sua vontade era queimar tudo, mas pensou no cheiro que poderia exalar e a vizinhança por pensar que fosse uma arma química. Olhou para o espelho e não acredito. Havia um cocô em sua testa. Imagine o sentimento que lhe veio a cabeça. Ele andou mais de meia hora com um cocô do tamanho de um caroço de feijão em sua testa. Chorou copiosamente embaixo do chveiro por pelo menos uma hora. Recuperou-se emocionalmente e ligou para a namorada. Precisava que ela lhe fizesse um favor. Ligar para seu trabalho e dizer que passou mal e não poderia ir. Caso ele mesmo ligasse poderia não parecer verdadeiro.
- Mas o que você tem?
- Não tenho nada amor. Apenas tive que voltar para casa.
- Como assim? O que aconteceu?
- Deixa pra lá amor. Apenas faça o quelhe pedi.
- Me conta primeiro. O que aconteceu? Estou preocupada.
- Tudo bem. Tive uma dor de barriga e voltei pra casa.
- Como assim? Foi na roupa?
- Pois é. Foi. E o pior que eu estava no trem e ...amor? Você ainda está aí? Amor???

Ela voltou ao telefone com a voz meio ofegante, como se tivesse chorado.
- Eu não acredito!!!
Agora vieram os risos. Era a humilhação total. Um dia para ser esquecido.

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